Verde e amarelo a preto e branco

(Pensa a Baleia em Vidas Sêcas, de Graciliano Ramos: "Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. ... O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.")

Durante o último mês tenho tentado preencher um vazio na retina dos meus olhos. Começava a ser um buraco demasiado largo e, no fim, arriscava cegar para tudo o que já vi. Não comecei por este, mas Vidas Sêcas, de Nelson Pereira dos Santos, é um dos filmes que com maior energia se fixou em mim. Por motivos diferentes e todos marcantes. O filme foi produzido por Luiz Carlos Barreto (LCB). Assim dito, para alguém que pouco ou nada sabia de cinema brasileiro até há, portanto, uns trinta dias, não significava nada. Mas se se quiser escolher um caminho para se adentrar na filmografia brasileira dos últimos quarenta anos, este nome levará a uma das estradas mais largas.
Além de produtor, neste filme LCB fez também a fotografia - foi como fotógrafo que começou e por aí foi também que me chamou a atenção antes de mais nada. Se não houvesse movimento naquelas imagens (em certas sequências, quase não há), o prazer que tirei de ver o filme seria idêntico ao que teria numa exposição da sua obra fotográfica, tenho a certeza. O realizador foi Nelson Pereira dos Santos, outro caminho amplo para o cinema brasileiro.
Não vejo os filmes só por ou para saber quem os fez, quem os imaginou (embora sabê-lo me ajude a homenageá-los, quando se trata de gente de olhar belo e cru). Neste, poderia não saber mais nada, deixar apenas que as imagens se fossem fixando, ajudadas pelo barulho das cigarras, contínuo e mecânico, pelo rugido seco, seco, do capim sem água por baixo dos pés mal calçados, ou do arfar da cachorra Baleia. Poderia esperar o muito tempo que se espera neste filme por alguma palavra rara (e como é estranho e bonito ver quase sem palavras um filme que se fez de um livro, cheio de tantas), esperar e amar a espera. No fim, a única coisa que me falhou compreender foi como é que, dum país que fala a mesma língua que eu, só agora começo a ver os filmes.

(Se ampliarem a imagem, lá bem no centrinho está ela, a cachorra Baleia. A olhar para a gente.)

1 comentário:

a mulher do lado disse...

Espero que seja o começo de uma longa amizade :)
Vidas Secas é um dos filmes mais bonitos que já vi e uma das grandes adaptações literárias que andam por aí. Nelson Pereira dos Santos consegue, como poucos, fazer das palavras de Graciliano, autor do livro, imagens que não só traduzem o que lá está como "transcriam" o próprio texto escrito. E o inferno, como ele nos mostra, está mesmo ali.