«sai-se da sala com uma sensação de paz e de sabedoria». Já não se fazem heróis como antigamente, não... 2ªf, IPJ, 22h.


Um condutor de comboios chega à reforma após 40 anos de carreira...
Há uma serenidade insólita, um gosto pelo burlesco servido a uma temperatura emocionalmente fria, uma vontade de esperança que teima em funcionar, mesmo quando o protagonista deste filme - sexagenário, solitário e já sem préstimo, pois a única coisa que verdadeiramente amava era guiar comboios pela Noruega fora - parece condenado a ficar simplesmente à espera da morte, ou a provocar um encontro com ela. "A Nova Vida do Senhor O'Horten" é um filme que chega da Escandinávia e é um primo talentoso e nada bisonho do cinema de Aki Kaurismäki. Se lhe sobrar tempo, leitor, a meio do burburinho pré-natalício, chegue-se a ele. Tem uma dose de humanidade plácida que funciona como lição de vida. E sai-se da sala com uma sensação de paz e de sabedoria.
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Jorge Leitão Ramos, Expresso

Noruega pode parecer tão exótica quanto a Roménia ou a Coreia do Sul. Tudo depende da perspicácia para revelar os pormenores mais excêntricos... enfim, excêntricos para os outros, claro está, elevados internamente a uma pertinência mordaz. Dito assim, até se leva a crer que falamos de uma comédia. Nada disso. Tanto ou tão pouco quanto um filme de Kim Ki Duk ou Corneliu Porumboiu. Ao contrário dos seus vizinhos escandinavos, a Noruega não conta na sua História com uma Bergman, um Dreyer, um Lars Von Trier que seja. Por isso, regra geral, a cinematografia norueguesa, o país com melhor qualidade de vida segundo as estatísticas, permanece misteriosa, assim como aquelas montanhas geladas a que chamam fiordes.


Do frio chega esta personagem fascinante, que irrompe por entre as montanhas de neve, à proa da moderna locomotiva que conduz. Chama-se O'Horten, nome escocês: a Escócia fica apenas a algumas milhas marítimas, e este O'Horten, pela cara se diz, que noutros tempos seria um pescador, que fora ali parar em busca de bacalhaus e outros peixe graúdos que por ali nadam. Nos nossos tempos, é maquinista, profissão idealizada e mostrada como sonho mítico de crianças, tal como astronauta. O'Horten é um maquinista que faz a sua última viagem, de Oslo para Bergen e vice-versa, antes da reforma. É apresentado como homem de poucas palavras que não gosta de dar nas vistas e funcionário competente, ao ponto de ser agraciado com uma locomotiva de prata (uau!).


O argumento é minimalista, centrado nesta intrigante personagem, cheio de bons momentos, como o contraste claro escuro, a neve e os túneis onde o comboio se esconde. Funciona bem enquanto retrato na busca da essência da condição humana.
Chega-se a desenhar uma aura de crime, que não se concretiza, mas há sobretudo uma noção de invisibilidade, numa sociedade desconfiada e fria, dando ideia que, parte das acções do protagonista, servem apenas para se assegurar da sua própria existência. Bent Hamer, realizador experiente, não resiste ao final moralmente positivo, do encontro consigo próprio e com uma segunda vida feliz. Mas o espírito geral do filme, dentro das suas intermitências, permanece em tom de busca do Norte.
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Manuel Halpern, Visão

De vez em quando, caem-nos no colo, saídos de sítios inesperados, filmes como A Nova Vida do Senhor O'Horten, do norueguês Bent Hamer. Não são obras-primas, nada disso, mas são bons pequenos filmes, que através de uma história modesta mas bem cosida, com personagens metidas num contexto quotidiano e de identificação emocional imediata, transmitem algo de particular da cultura e da sociedade a que pertencem, conseguindo ao mesmo tempo ser universais nos sentimentos.


O senhor O'Horten do título (um patusco Bard Owe) é um maquinista tímido e afável que chega ao dia da reforma e apercebe-se que tem à sua frente um resto de vida vazio. No entanto, o destino, na pessoa de um velho e pândego diplomata copofónico coleccionador de armas primitivas, dono de uma pachorrenta cadela e que consegue guiar carros de olhos fechados, vai mostrar-lhe que há vida para lá da reforma. E que pode ser vivida em pleno – mesmo que dentro das suas limitadas possibilidades.


Filmado com uma típica reserva nórdica que nem por isso deixa de encontrar motivos de comédia em todo o lado, dos bastidores do aeroporto de Oslo a uma loja de tabaco, passando por um restaurante de bairro (o favorito do próprio realizador), A Nova Vida do Senhor O'Horten é o melhor e mais caloroso filme extra-Hollywood desta recta final do ano.
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Sérgio Abranches, Timeout


Título Original: O’Horten
Realização: Bent Hamer
Argumento: Bent Hamer, Harold Manning
Interpretação: Baard Owe, Espen Skjønberg, Ghita Nørby, Henny Moan, Bjørn Floberg,
Kai Remlow, Per Jansen, Bjarte Hjelmeland, Tone Stern Bergersen, Peter Bredal, Einar Breian
Direcção de Fotografia: John Christian Rosenlund
Música: John Erik Kaada
Montagem: Pal Gengenbach
Origem: Noruega/ Alemanha/ França
Ano de Estreia: 2007
Duração: 90’



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