HOJE - DE LOUIS MALLE, UM SOPRO NO CORAÇÃO. SEDE. 21H30. À BORLA.

Louis Malle gostava de chamar a Sopro no Coração «o meu primeiro filme». Na verdade, era a sua oitava longa-metragem, mas a primeira que o próprio escreveu. Era também, assim o sentiu, o «seu primeiro filme feliz e optimista». Livremente baseado nas próprias memórias adolescentes de Malle, a obra funda-se num mundo visto inteiramente pelos olhos do seu herói, Laurent Chevalier (Benoit Ferreux). A intriga episódica revela poucas surpresas: Laurent dá-se mal com o pai, adora a sua linda e jovem mãe, oscila imprevisivelmente entre a infância e a idade adulta e é, ao mesmo tempo, fascinado e desconcertado pela sua crescente sexualidade. A frescura do filme reside na recriação evocativa da sociedade francesa provinciana da haute bourgeoisie no início dos anos 50 - e da intimidade da vida familiar, patenteada numa viva e rica mistura de piadas, zangas, embaraços, grosserias, feudos e alianças.

O momento chave do filme - que levou a graves problemas com o governo francês é o acto incestuoso entre Laurent e a mãe, filmado por Malle com grande subtileza e discrição. Audaciosamente, ele trata-o não como uma fonte de culpa e trauma, mas como um acontecimento doce e libertador, para ser lembrado (como a mãe de Laurent lhe diz) «não com remorso, mas com ternura... como algo de belo».
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PK in 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer

Adoro filmes franceses, tenho um preconceito a favor deles. Diversos de meus diretores preferidos são franceses, como François Truffaut, Jean Renoir e Louis Malle. E O Sopro no Coração é provavelmente meu filme preferido de Malle. As coisas que acontecem entre o filho e sua mãe parecem até românticas, mas também são assustadoras e tabu, o que torna tudo mais atraente. É proibido: você sente que eles estão entrando em território perigoso. Mas o jeito como o filme apresenta a situação é perfeito. Não se torna traumático. Acaba sendo a expressão da proximidade da relação dos dois, como os dois estão conectados entre si, e é sobre isso que é o filme.
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Wes Anderson


Não é mais antigo que o cinema o conceito de adolescer, de transitar da infância à idade adulta. Na verdade, se há alguns séculos não se tinha a noção de adolescência, hoje parece às vezes que todos o somos, uma vez que um dia o fomos – principalmente para um certo tipo de cinema, sobretudo o dos efeitos especiais. O Sopro no Coração é um filme sobre um garoto de catorze anos (quase quinze) – mas, ao invés de se identificar com seus conflitos, encanta-se com eles, em busca do tempo que ficou para trás (é um filme sobre um adolescente, e não para um adolescente). Não é que Laurent não sofra com seus problemas – a questão é que seus sentimentos, bons ou ruins, não têm a mesma força que a experiência em si. Por mais desagradável que seja no momento ter a primeira transa interrompida, a lembrança que resta é de uma situação divertida. Só resta rir.

É essa libertação de um certo recalque que o filme parece pleitear. A mãe de Laurent afasta-se da família por conta de um amante, o pai de Laurent é ausente, seus irmãos implicam com ele, a empregada não pára de reclamar, seus amigos são chatos... e daí? Vive-se mesmo assim, não é mesmo?. E pode ser divertido – não é ruim, no final das contas. O menino mimado, o pequeno gênio que ganha tudo e ainda rouba discos, que tem o problema de saúde a que se refere o título, o sopro no coração (que parece sugerir também um sentido de impulsividade), e por isso ganha a atenção de todos, aproveita a vida como pode e como lhe convém. Nisso, a mesmo tempo se une e se liberta de seus primos-irmãos do cinema francês, os garotos anárquicos do Zero de Comportamento de Vigo e do Antoine Doinel do Incompreendidos de Truffaut. Laurent, apesar da má saúde e dos mimos, tem a vitalidade e o sentimento de liberdade de seus aparentados cinematográficos – mas, por esta má saúde e mimos, não tem do que se queixar acerca de dinheiro e cuidados, ao contrário dos anteriores. Não precisa se preocupar em ter liberdade – ele tem de tudo, sorte dele, que pode ficar ouvindo jazz em paz.

Nisso o filme situa sua transgressão central, a quebra de tabu que o tornou famoso. Para a dramaturgia clássica, pior que o rompimento do tabu do incesto, só mesmo se este rompimento se der sem sofrimento, sem conseqüentes perda e purgação – isso sim é tabu de verdade. É isso que faz O Sopro No Coração. Não se trata de uma história em que o incesto provoca ou é provocado por um violento transtorno psíquico. A vida continua, e só resta rir. Em praticamente todos os outros exemplos que encontrarmos de tematização do incesto na ficção, teremos tramas em que o rompimento do tabu traz imenso sofrimento, traz uma ruptura definitiva com o relacionamento antes estabelecido – para lembrar de um exemplo marcante, dois anos antes Visconti fizera o seu Os Deuses Malditos. O Sopro no Coração transgride essa norma, o incesto rompe para evoluir, para conciliar. O filme consegue este feito bizarro, e no entanto muito natural: diante do rompimento do tabu, a conciliação é a maior transgressão – não custa lembrar que transgressão e rompimento de tabus são dois dos pontos centrais em grande parte dos filmes do realizador, Louis Malle.

Vale notar o encanto cinematográfico de Lea Massari (atriz de filmes como A Aventura de Antonioni e A Primeira Noite de Tranquilidade de Zurlini) como a italiana Clara, mãe de Laurent, assim como a fabulosa interpretação de Benoît Ferreux no papel principal (sua estréia no cinema), com um comportamento sempre remetendo a algo instintivo, não-planejado – é realmente incrível a divertida maneira que Laurent ataca as meninas, dobrando o pescoço e avançando de um jeito grosseiro, entre o desajeitado e o animalesco. Vale notar, sobretudo, que o filme tem uma vitalidade impressionante, uma incrível capacidade de reviver as experiências de Laurent, seja ouvindo o bebop de Charlie Parker (e como é boa uma trilha sonora com Bird Parker!), transando com putas, suportando a paquera de um padre mal-resolvido, seduzindo gatinhas no hotel, lendo tanto livros clássicos como libertinos ou vendo sua linda mamãezinha saindo do banho.
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Daniel Caetano



Título Original: Le souffle au cœur
Realização e Argumento: Louis Malle
Montagem: Suzanne Baron
Fotografia: Ricardo Aronovich
Música: Sidney Bechet, Gaston Frèche, Charlie Parker, Henri Renaud
Interpretação: Lea Massari, Benoît Ferreux, Daniel Gélin, Michael Lonsdale, Ave Ninchi, Gila von Weitershausen, Fabien Ferreux
Origem: França/Itália/Alemanha
Ano: 1971
Duração: 118’

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projeto financiado por
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2 comentários:

Anónimo disse...

sabe onde posso encontrar o filme sem o corte da cena mais polemica do filme ?

em sites, ou em locadoras..

cineclube de faro disse...

em sites, não fazemos ideia.

nós temos o filme em dvd, encontra-se à venda em portugal...

por exemplo, aqui:

http://www.fnac.pt/Coleccao-Louis-Malle-Vol-2-sem-especificar/a253109?PID=7&Mn=-1&Ra=-3&To=0&Nu=3&Fr=0

esperamos ter sido úteis :)