3ªF, REGRESSO AO IPJ - a estreia tão aguardada de ENTER THE VOID!

DIA 22 MAIO - ENTER THE VOID - VIAGEM ALUCINANTE DE GASPAR NOÉ.

sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€


E se Gaspar Noé, o realizador de "Irreversível" fizer um filme de duas horas e meia sobre o que um morto vê depois de morrer, isso é... "Enter the Void". O filme que um cineasta ateu gostava de ter visto aos 25 anos.

Todos os anos", diz Gaspar Noé, "há dois ou três meteoros," filmes "audaciosos" que parecem ovnis ao lado da corrente normal do cinema contemporâneo. "Mulholland Drive [David Lynch, 2001] é um deles, há outro de que gosto muito ao nível estrutural, 21 Gramas[Alejandro González Iñárritu, 2003], ou Palindromes, de Todd Solondz [2004], onde a mesma personagem é representada por um actor diferente consoante a cena. É uma ideia de que teria gostado de me lembrar."

Gaspar Noé não vai ao ponto de considerar a sua terceira longa, Enter the Void - Viagem Alucinante, como um desses meteoros - embora admita: "sim, é um filme muito audacioso", Mas a verdade é que sim, este é um meteoro. Ou não se tratasse da história da deambulação por Tóquio do espírito de um dealer de droga que acabou de ser morto a tiro numa casa de banho, que observamos em câmara subjectiva, pelos olhos do próprio falecido, durante duas horas e meia.

E se o leitor perguntar: quem é o tipo passado da cabeça que faz um filme estroboscópico de duas horas e meia sobre o que um morto vê depois de morrer?... a resposta é "irreversível".

Ou, por outras palavras: Gaspar Noé é o autor de Irreversível (2002), o filme-escândalo contado de trás para a frente, que começava com Vincent Cassel a esmagar a cabeça de um certo Ténia com um extintor, passava pela violação em tempo real de Monica Bellucci num túnel de metro, e acabava na mais pacífica felicidade conjugal. Antes disso, houvera Seul contre Tous (1998), a história de um talhante que decide vingar-se da sociedade que o relegou para as margens, contada através de um polémico monólogo interior.

Alguém falou em audácia?


Montanha russa
Enter the Void é um meteoro. E ao contrário da maior parte dos meteoros que só caem uma vez, este parece passar a vida a entrar e sair de órbita: estreado em 2009 em Cannes numa versão inacabada, finalmente completado a contento do seu autor em 2010, é um filme com o qual Noé vive há mais de cinco anos. "Entre o momento em que o comecei a preparar a sério e o momento em que o terminei a sério passaram-se quase quatro anos. Depois começou a estrear, passei cerca de um ano a fazer a promoção..." Promoção que ainda não acabou, porque esta semana este filme "atípico, que os distribuidores não sabem bem como vender" chega a Portugal e à Argentina (país de onde o realizador é natural).

"Atípico" é coisa que Noé faz questão de ser. Reconhece que há qualquer coisa de "parque de diversões" nos filmes que faz - sobre Enter the Void, diz-nos, durante a sua passagem "meteórica" pela capital: "A ideia é que o filme seja uma montanha russa: sentamo-nos no carrinho e somos levados pela experiência. É verdade que a câmara subjectiva ajuda a esse lado, se fosse visto do exterior pareceria bastante mais normal, seria uma experiência mais convencional."

Mas que não se confunda isso com uma vontade de épater le bourgeois: por muito que cite gente como Kenneth Anger, não quer ser experimental a qualquer custo. "É verdade que o meu filme ideal seria ainda mais experimental, com menos diálogos... Mas a certa altura, quando já tinha um guião mais definitivo, tentei desordenar todas as cenas em flashback, para ter uma visão mais caótica do passado. E não consegui. O filme tornava-se demasiado complicado, e compreendi que se o fizesse desse modo corria o risco de nunca o fazer. "

E que filme queria ele fazer? "Antes de pensar no espectador, pensamos em nós mesmos. Perguntamo-nos qual é o filme que temos vontade de ver. E este é o filme que eu tinha vontade de ver quando tinha 25 anos."

Ah, coração ateu
Foi aos 25 anos que a ideia de Enter the Void começou a macerar, lendariamente depois de Noé ter visto (ao que consta sob a influência de drogas alucinogénicas) um "meteoro" produzido na Hollywood dos anos 1940, A Dama do Lago (1946), adaptação de um romance de Raymond Chandler pelo actor Robert Montgomery filmada em câmara subjectiva, pelo ponto de vista da personagem principal. Se essa pode ter sido a inspiração - e reencontramos a "câmara subjectiva" durante toda a duração de Enter the Void - os filmes que Noé invoca como influência directa são outros. Fala de Stanley Kubrick e do lado de trip sideral de 2001, Odisseia no Espaço (1968); "pensei em Mulholland Drive, Videodrome - Experiência Alucinante, de Cronenberg [1983], e num outro filme,Viagens Alucinantes, de Ken Russell [1980]..."

À imagem de todos esses filmes, Enter the Void tem qualquer coisa de onírico, e a sua narrativa inclui o Livro Tibetano dos Mortos e a sua concepção da reencarnação. Mas se essas referências, nas palavras de Noé, "funcionam como coluna vertebral do filme", será boa ideia não as ver como "chave" para o que se passa. "Quem ache que o filme é uma adaptação à letra do Livro Tibetano dos Mortos, se olhar bem, percebe que não é nada disso - mas não queria que isso fosse demasiado claro. Cresci no ateísmo total e tenho muito orgulho em ser ateu." E, por isso, "o filme pode ser visto como a história de um sonho."
A esse respeito, conta-nos Noé, "houve uma coisa que muitas pessoas disseram": "O facto de terem sonhado com Enter the Void depois de o terem visto. Isso dá-me prazer, porque me faz pensar que os meus filmes se aproximam mais de uma linguagem do inconsciente do que a maioria dos filmes. Quando sonhamos, aproximamo-nos mais de uma linguagem universal..."

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Tira e mete bobina
Se há coisa que Enter the Void não é, é um filme "universal". O cinema de Noé é tudo menos unânime, ou se ama ou se odeia. O que o homem quer, mesmo, é mexer com o seu espectador, de um modo que seja tão imediato e vivo como a vida real. "Ver dois tipos à porrada num café é impressionante, mas vê-los no cinema não faz efeito nenhum porque sabemos que é falso. As pessoas, quando vão ao cinema, sabem que tudo o que estão a ver é falso, e por isso perguntamo-nos como vamos conseguir fazer com que ultrapassem essa desconfiança e invistam mais da sua própria emoção." Pega no exemplo de Irreversível para explicar melhor. "Não se trata de estar fascinado pela violência, mas antes de perguntar como posso transmitir alguma dessa violência da vida real ao espectador. É mexer com o espectador que me interessa mais."

Então e se o filme deixar as pessoas indiferentes? "Ah, não, não - antes disso, a primeira derrota é não ser capaz de fazer o filme que sonhámos. O cinema é uma indústria, com muito dinheiro e muitos parceiros envolvidos. E acontece muitas vezes que um realizador se lança ao trabalho convencido de que vai conseguir o filme que sonhou, e pelo caminho acaba por se desentender com os produtores ou com os distribuidores ou com os actores, e o objecto final não se parece nada, ou apenas em parte, com o filme que se pensou. E aí a recepção pública deixa de ter importância. Ficamos feridos por termos falhado a aposta".

É nesta altura que surge a questão de Enter the Void ter duas versões: uma versão "longa" de 154 minutos, e uma "curta" de 137 minutos, a que estreia em Portugal. Quererá isto dizer que foi preciso ao cineasta "audacioso" "acomodar-se" à indústria? "Ah, não, não, de todo. O produtor pediu-me para preparar uma versão curta no caso de o filme ultrapassar as duas horas e meia, e de facto chegámos ao fim com duas horas e 34..."

Mas essa diferença de 17 minutos, contudo, resume-se a... "Uma bobina." Leram bem, a diferença entre as duas versões é uma bobina que pode ser metida ou tirada ao bel-prazer do distribuidor. "A versão curta tem 17 minutos a menos, que correspondem a uma bobina sem a qual o filme funciona perfeitamente. Não queria cortar o filme, mas se não tivesse encontrado esta astúcia provavelmente não teria conseguido chegar a uma versão curta. O filme custou muito caro e eu devia aos produtores que investiram dinheiro uma versão alternativa, para que pudesse ser mais rentável. Foi a melhor ideia que tive, conseguir montar um filme ao qual se tira uma bobina sem o afectar... "

Não é para qualquer um. Alguém disse "audacioso"?
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Jorge Mourinha, Público


Agora, na sua terceira longa-metragem, Noé escolhe falar da vida e da morte pelo meio de uma “viagem alucinante” que acompanha as deambulações do espírito de um “dealer” acabado de morrer por uma Tóquio alucinogénica, traçando em flashbacks o percurso que aqui o levou e acompanhando o modo como a vida continua depois da sua morte. A “viagem alucinante” - e o título português pisca o olho a um dos filmes-inspiração de Enter the Void, Viagens Alucinantes (1980) de Ken Russell - é, acima de tudo, um filme puramente sensorial, visceral, que passa o tempo a forçar as fronteiras do que é possível em termos visuais com uma conjugação estroboscópica de câmara à mão, fotografia saturada, manipulação digital e efeito visual falsamente naïf. E só a ousadia de tentar dar corpo visual a um mistério insolúvel - e de o fazer em modo de transe libertário-alucinado alimentado a drogas puras - já explica que Noé não tem problemas em arriscar tudo sem ter medo de se estampar ao comprido. Há, claro, momentos em que se estampa; ao ultrapassar as duas horas de duração, a “trip” torna-se excessiva, cai pontualmente na indigestão do efeito gratuito, como se Noé se houvesse perdido no labirinto que ele próprio criou e se tivesse esquecido do filme que era suposto haver por baixo. Mas ninguém nunca recomendará Enter the Void por ser o grande filme que evidentemente não é; antes por ser um objecto singular, coisa rara nunca vista, “passagem do terror” de feira popular que se atravessa para se dizer que se passou por ela e que não deixa ninguém incólume. Enter the Void é aquilo que o título português anuncia: uma “viagem alucinante” por paisagens que raramente o cinema convencional explora. Quem quiser que se arrisque por sua conta e risco; e não diga que não foi avisado.

A questão central da trama: a morte e a vida após a morte... O ambiente psicadélico, impregnado de uma energia que apesar de densa e “submersiva”, nos impele para uma viagem flutuante e visceral, algures, no limiar entre a dura realidade, o enigmático e sobrenatural mundo dos sonhos e a sombria e angustiante atmosfera de um pesadelo, como se a nossa própria experiência transcendente vivenciássemos.

Talvez o fator mais relevante seja o genial e original trabalho ao nível da imagem e do som: planos ousados e vertiginosos, os quais requerem uma sensibilidade e técnica superiores. O pormenor do “pestanejar de olhos de Oscar”, os planos em espirais descendentes, os enquadramentos, as luzes reverberantes e “neonicas” de Tóquio, que penetram sem cortar, toda a atmosfera sombria, catalisada pelo som inebriante, que pulsa compassadamente, dando-nos a sensação de que ouvimos e sentimos, intensamente, a energia de um mundo metafísico.

Não é um clássico filme “inteligente” para analisar, pensar ou questionar. É essencialmente um filme que apela à nossa apreensão sensorial. E caso queiramos ou consigamos ter abertura para nos deixarmos envolver, Gaspar Noé conduz-nos numa viagem febril e apaixonante em que nos oferece a possibilidade de vivenciarmos na primeira pessoa, não só as experiências psicadélicas estimuladas pelo Ecstasy, LSD e DMT, mas também os momentos de morte e de "vida" pós morte.

Gaspar Noé revela-se assim um ousado artista do audiovisual, por todos os motivos já mencionados e por conseguir, em “Enter The Void”, do feio e indecente, criar beleza. Mas não é uma beleza romântica. É crua e carregada por uma “verdade” desconcertante. Penso que é por este motivo que o filme se torna chocante e originou tanta polémica. Não será de facto um filme para as massas. As mentes mais fechadas ou conservadoras e impressionáveis têm demonstrado tendência para o detestar... não foi por acaso que Quentin Tarantino o colocou entre os melhores de 2009. Penso que nada terá sido deixado ao acaso e todos os pormenores se enlaçam resultando num inquestionável marco da linguagem cinematográfica.
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s/ind de autor


ENTREVISTA A GASPAR NOÉ

Os seus filmes são sempre muito divisivos e desenhados para chocar. Entusiasma-o ver membros da audiência desconfortáveis, ou até furiosos e a sair da sala? É crucial para si (o fator choque) quando está a desenvolver um novo projeto?
Sim. Fazer um filme é como mover uma montanha-russa. Queremos que as pessoas se sintam excitadas. Que chorem, que riem, que se assustem. Portanto, sim, podemos usar todo o tipo de truques para mexer com a plateia. Quando vi pessoas a sairem a meio de "Irreversível", ou até deste filme, gostei. Gosto de pôr as pessoas a pensar.

"Enter the Void" é em si uma "trip" para o espectador. Como é que surgiu esta ideia?

No início, quis fazer uma curta-metragem sobre um tipo que toma LSD acidentalmente, e o filme seria visto do ponto de vista da personagem principal. Quis também fazer um filme que fosse visto de cima. Depois, pensei em fazer um filme em que o protagonista fosse visto antes de morrer, e depois tivessemos uma visão da sua morte. Gosto de pensar na vida depois da morte, mas não sou uma pessoa religiosa, de todo.

Porquê Tóquio desta vez?
Acho que é uma cidade muito alucinogénica, visualmente. Além disso, parece muito mais solitária, pois estás num país em que não pertences, com pessoas que não falam inglês. E depois há uma repressão maior pelo tráfico de droga. Podes apanhar 2 ou 3 anos de prisão.

O seu filme foi exibido em vários festivais de cinema, espalhados por todo o mundo, ao longo dos últimos anos. Consegue dizer-nos qual foi a sua experiência favorita em Festival?
Cannes. O Festival de Cannes.
Gosto de Sundance, gosto de Toronto... Gosto de viajar pelo mundo por acaso, de toda essa experiência.

Se tivesse de escolher um filme que melhor ilustra porque é que faz filmes atualmente, que filme escolheria?

"2001: Uma Odisseia no Espaço". Tenho a dizer no entanto que o primeiro filme que realmente me impressionou foi "Eraserhead" aos 14 ou 15 anos.

O filme de David Lynch.
Sim.

Ouvimos dizer que o seu próximo filme vai ser baseado num argumento de Bret Easton Ellis, com Ryan Gosling a encabeçar o elenco. Pode partilhar mais detalhes sobre este projeto?

Não não. O Ryan Gosling já não está associado a este projeto. E tenho ainda um outro projeto antes. Um argumento original.

Não é o "remake" de "God Told Me To"?

Não. As pessoas leem muita informação que não é verdadeira, hoje em dia. Informação que aparece no Twitter ou num blog, e que depois é facilmente espalhada.

Pode-se saber do que se trata?
É um filme sentimental. Uma história de amor.

Uma história de amor?
Sim, mas com contornos eróticos.
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c7nema.net



Realização e Argumento: Gaspar Noé
Montagem: Marc Boucrot, Gaspar Noé e Jérôme Pesnel
Fotografia: Benoît Debie
Música: Thomas Bangalter
Interpretação: Paz de la Huerta, Nathaniel Brown, Cyril Roy, Olly Alexander, Masato Tanno, Ed Spear, Emily Alyn Lind
Origem: França/Alemanha/Itália/Canadá
Ano: 2009
Duração: 161'

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