FLORBELA - ESTREIA NO ALGARVE! 2ªf, 14 de Maio - PRESENÇA DO REALIZADOR!

21h30. GRANDE AUDITÓRIO DE GAMBELAS. ENTRADA ÚNICA 4€.
Reservas cineclubefaro@gmail.com

10h30, SESSÃO PARA AS ESCOLAS - IPJ. Entrada 2€.
Marcação prévia cineclubefaro@gmail.com

18h, Conversa à volta de Florbela Espanca - Clube Farense. Entrada livre.
Com a presença do realizador e de Dr João Minhoto Marques (FCHS) com a moderação de Dr Vítor Reia Baptista (ESE-CIAC). Organização UAlg.



Afastado da tradicional biografia, Vicente Alves do Ó traz ao cinema uma vertente menos explorada de Florbela Espanca. Através de um olhar sensual, o realizador e argumentista filmou a paixão e a inquietação da poetisa.

Uma conversa entre amigos, sobre figuras históricas portuguesas, foi o ponto de partida para “Florbela”. Vicente Alves do Ó decidiu filmar um dos nomes da poesia que ainda não tinha sido adaptado à sétima arte, e cuja imagem era tida como uma verdade absoluta.

Entrar na vida de Florbela Espanca, ao ler as cartas da poetisa, foi um processo de descoberta para o cineasta. Vicente Alves do Ó encontrou uma mulher "que adorava sair, adorava moda, chapéus, frequentar a vida social, muito atenta a situação politica do momento e atenta aos outros". Para o realizador, Florbela Espanca "era uma mulher do mundo, que tinha sede do mundo".

O filme "Florbela" remete para um período da vida da poetisa: "a fase em que Florbela Espanca tem pouca actividade de escrita e em que a família está virada de costas para ela, porque já vai no terceiro casamento". O realizador optou por rodar o universo emocional de Florbela Espanca com a intenção de "chegar à essência da escritora". A longa-metragem representa para Vicente Alves do Ó o período mais difícil da vida da poetisa.

Protagonizado por Dalila Carmo, o argumento do filme foi escrito por Vicente Alves do Ó com a actriz como a escolha inicial para o papel de Florbela Espanca. Rodar algumas das cenas, na terra natal da poetisa, Vila Viçosa, era outro dos imperativos do cineasta, também alentejano, mas de Sines.

"Florbela" conta ainda no elenco principal com a participação de Albano Jerónimo, Ivo Canelas, José Neves e Rita Loureiro.
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Carla Henriques, rtpcinema


Desta vez, Vicente Alves do Ó apaixonou-se assim perdidamente por Florbela Espanca. Qualquer um se apaixona pela sua poesia, claro, mas o realizador foi mais longe, investigou e deixou-se deslumbrar pela mulher. E fez, como o próprio anuncia, não um biópico, no sentido clássico, mas um filme inspirado na vida e na obra.

Logo de início, ainda no genérico, uma cena de amor converte-se numa cena de ódio, de prisão, claustrofobia, violência doméstica. Um truque bem feito que nos deixa entrar num jogo emocional com o espectador, como naqueles desenhos em que o pato se transforma num coelho ou vice-versa. A desconstrução é feita através da proximidade do plano. Sabemos das artes plásticas, que, por vezes, temos de nos afastar para ver melhor. É uma máxima que também funciona para a vida: demasiado perto não se vê bem e tudo parece enorme, às vezes assustador, outras vezes magnífico.

Florbela é o segundo filme de Vicente Alves do Ó, que tem um percurso já longo no curto panorama nacional, sobretudo como argumentista. Estreou-se como realizador, no ano passado, com Quinze Pontos na Alma, um mergulho no universo misterioso de uma mulher, num cenário cheio de glamour. Desta vez, apaixonou-se assim perdidamente por Florbela Espanca. Qualquer um se apaixona pela sua poesia, claro, mas o realizador foi mais longe, investigou e deixou-se deslumbrar pela mulher. E fez, como o próprio anuncia, não um biópico, no sentido clássico, mas um filme inspirado na vida e na obra. Ironicamente, escolheu o período em que ela não escreve - opção inteligente e interessante, como quem quer explicar qualquer coisa através da sua ausência ou da sua negação. Aqui é a vida a explicar a poesia, tal como a poesia explica a vida.

Mostra, faz mesmo questão de mostrar, por vezes de forma excessiva e quase exibicionista, uma mulher à frente do seu tempo, em conflito com o meio, mal entendida, mal interpretada - apesar de a ação não decorrer no moralismo extremo do Estado Novo, mas ainda na 1ª. República, que Vicente retrata como uma época de grande boémia aristocrática, ao melhor estilo parisiense, em que não resiste ao glamour (que acaba por ser uma das suas imagens de marca). Tem mesmo cenas aparentemente escusadas, que servem, por um lado, para expandir o estilo do próprio realizador, por outro para vincar de forma extrema a ideia de que Florbela era vanguardista, não só na escrita como nos costumes.

Mais ainda do que a relação com o meio, a grande ênfase vai para a incapacidade de lidar com o outro e consigo própria, que se resume na frase: "Eu não sei viver". A paixão pelo irmão ultrapassa e inviabiliza qualquer relacionamento estável. E o filme debate a incapacidade de ser feliz, apesar do esforço. A Florbela que encontramos é uma mulher desavinda com a vida, egocêntrica, neurótica e histérica, em convulsão interior, entre o fascinante e o insuportável.

Vicente Alves do Ó importa esta história para o seu universo extremamente feminino e com traços de glamour que por vezes se transformam num pesadelo estético, e um ultrarromantismo fora de moda. Sobretudo, gostemos ou não, percebemos que o realizador, ao segundo filme, cimenta uma linguagem que se concretiza num olhar, num estilo e até numa temática - mantém-se o fascínio pelo universo feminino ou, se quisermos, pelo mistério feminino, pelos grandes enigmas das mulheres. Para o bem ou para o mal, a marca está lá.
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Manuel Halpern, Visão


O seu castelo era a dor, Florbela Espanca, "castelã da tristeza", bem o dizia, e no filme, Vicente Alves do Ó desfia este colar de malogros, inquietações, exaltações eróticas, mórbidas e premonitórias - com um sentido estético muito próprio: o seu.

Não lhe interessa, não quer saber. Diz que "a beleza" que põe nos seus filmes acaba virando-se contra ele, isso não o atinge, mas sente "o preconceito". Já o criticaram por fazer filmes "demasiado bem acabados"... Foi assim com Quinze Pontos na Alma (2011), talvez volte a acontecer com Florbela, o filme sobre a poetiza que exaltava nos seus poemas uma espécie de solenidade ritual da desgraça, e cujo neo-romantismo rimava funestamente com a desdita da sua vida. Mas Vicente não fez o biopic mais óbvio (isso reserva-o para a série televisiva, que se encontrará com Florbela desde o nascimento, não reconhecido pelo pai, até à sua desistência de viver, aos 36 anos, fragilizada pela doença, pelo desgosto e por três tentativas de suicídio). Neste filme, Vicente "captura-a" (como gosta de dizer que as câmaras fazem aos momentos, "aprisionamo-los para a eternidade") na altura em que ela está numa fase de bloqueio criativo. Não escreve mais, não consegue, após dois casamentos malogrados e dois divórcios, Florbela (Dalila Carmo) está novamente casada com um médico de Matosinhos (Albano Jerónimo). "Agora já sou o que todos esperam que eu seja: uma mulher casada, honrada e, acima de tudo, discreta". Mas no próprio dia do casamento, no mesmo momento em que, por fora, pronuncia esta frase de apaziguamento, por dentro já toda ela é ânsia e alvoroço. Queixa-se do mar, que não pára: "O mar nunca se cansa". No fundo, explica Vicente, "ela ao falar do mar, está a falar dela própria e do que está a viver na sua cabeça. É uma ideia inquietação e já de perturbação". Vicente percebe do que fala, ele próprio viveu junto à costa, em Sines, até aos 27 anos, e sabe como o mar no inverno, numa praia despovoada, se pode tornar opressivo: "Não é bonito, não". E ele tem sempre de "se trazer" um bocado para dentro dos filmes, "senão não fazem sentido". E afinal, a mulher que "só via a floresta e era incapaz de olhar a árvore", que se olhava como "uma pantera enjaulada na vida", porque, continua o realizador, "ela sentia a sua garra felina presa aos convencionalismos da época", essa Florbela Espanca "sou eu", Vicente Alves do Ó, 40 anos, natural de Sines, autor de uma vintena de guiões, um romance (Kiss Me), outro a caminho, três curtas e duas longas. "No meio do cinema eu sou a Florbela Espanca", insiste, como Flaubert e a Madame Bovary. "Eu sou um outsider do sistema. Não tenho telhados de vidro, só devo os meus filmes ao meu esforço. Não venho de escolas, não pertenço a tribos...". Uma vez, António da Cunha Telles disse-lhe, a propósito da sua curta que não foi seleccionada para o Festival de Vila do Conde: "Tu és o gajo mais marginal do cinema português".

"É sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,/a mesma angústia funda, sem remédio,/ andando atrás de mim, sem me largar".


Com os sonetos de Florbela Espanca Vicente travou conhecimento na adolescência. Com a prosa, logo a seguir. No bolso traz a prova do amor e de um delito, "a única coisa que roubei na vida". Não foi tecnicamente um roubo, chamemos-lhe, antes, não devolução a uma biblioteca municipal. Uma primeira edição dos contos de Florbela Espanca, já com as folhas amareladas e a desagregarem-se do volume. Impressionou-o As Máscaras do Destino, dedicado à memória do irmão, "ao meu querido morto", o aviador Apeles, que se terá suicidado no Tejo no seu hidro-avião, aos 30 anos: "Os mortos são na vida os nossos vivos, andam pelos nossos passos, trazemo-los ao colo pela vida fora e só morrem connosco". Interessou-se por esta relação estranhamente próxima com o irmão. São quase os únicos momentos em que Dalila Carmo sorri no filme, aqueles que passa na companhia do irmão (Ivo Canelas).

"E quanto mais no céu eu vou sonhando,/ E quando mais no alto ando voando/ Acordo do meu sonho... E não sou nada!..."

No filme anterior, a história de uma mulher (Rita Loureiro) que tem tudo para ser feliz, até ao dia em que recebe um beijo de um suicida e desiste de tudo para perseguir um fantasma, Vicente convocava todos os seus amores, a moda, o design, o cinema, a fotografia... "Esse filme era muito à volta de mim, este não tanto". Mas ainda assim os filmes comunicam-se através de um beijo lésbico entre a actriz Rita Loureiro e Dalila Carmo, num lelião de uma festa dos loucos anos 20. "Eu vejo os dois como the light and the shadow. Os Quinze Pontos... era um filme frio, sombrio, diabólico, com aquela anti-heroína, uma mulher que procura o sofrimento, porque 'se não doer como sabemos que estamos vivos?'. A Florbela, pelo menos verbaliza o que sente, não está morta, ainda não congelou". Curiosamente, são sempre beijos de mortos ("a visita da dama dos dedos descarnados", nas palavras de Espanca), que despertam os vivos, ao contrário da história da Bela Adormecida. "É a morte dos homens que as salvam, uma espécie de sacrifício que nunca é cobrado", continua. Toda esta vocação de plenitude de Florbela Espanca votada ao desastre, o não reconhecimento pelos círculos literários, os casamentos infelizes, a neurose acentuada, a depressão, a ânsia de maternidade nunca consumada, os abortos espontâneos... no filme, o beijo do irmão morto, que surge do mar, é o ponto de viragem. Ela salva-se - ainda que por pouco tempo - porque volta a escrever.

"O amor de um homem? - terra tão pisada, /gota de chuva ao vento baloiçada.../Um homem?- quando eu sonho o amor de um Deus"


"O cinema português tem um problema com a beleza, não acreditamos nela porque a associamos a algo artificial", comenta o realizador. "Trata-se a moda e o design como se fossem futilidades. O cinema parou de sonhar e de fazer sonhar, não ajuda a transcender como ser humano. Não consigo lidar com a arte que apenas me duplica, não preciso de espelhos, mas de caminhos e luz. Preciso que a arte me leve a outro sítio, que me eleve, transcenda e me rasgue...". Entre a pulsão da poesia, o apelo da morte, um marido "que é terra", e um irmão "que é loucura", talvez Florbela, lá da sua enseada suicidária, tenha sentido o mesmo estigma do convencionalismo e as marcas do kitsh que sempre se lhe colaram aos seus arrebatados sonetos.
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Ana Margarida de Carvalho, Visão




Realização e Argumento: Vicente Alves Do Ó
Diretor de Fotografia: Luís Branquinho, Aip
Montagem: João Braz
Música Original: Guga Bernardo
Interpretação: Dalila Carmo, Albano Jerónimo, Ivo Canelas, Rita Loureiro, José Neves, António Fonseca,
Carmen Santos, Maria Ana Filipe, Marques D’ Arede, Anabela Teixeira
Origem: Portugal
Ano: 2012
Duração: 119’


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