15 de Janeiro |21:30| IPDJ


OPERAÇÃO OUTONO, Bruno de Almeida, Portugal, 2012, 92’, M/12

 



FICHA TÉCNICA
Realização: Bruno de Almeida
Argumento: Bruno de Almeida, Frederico Delgado Rosa e John Frey
Baseado no livro “Humberto Delgado, Biografia do General Sem Medo” de Frederico Delgado Rosa
Música: Dead Combo
Montagem: Roberto Perpigani
Fotografia: Edmundo Diaz
Interpretação: John Ventimiglia, Marcello Urgeghe, Renata Batista, João d`Ávila, Nuno Lopes, Carlos Santos, Pedro Efe, Carlos Paulo , Júlio Cardoso, Diogo Dória
Origem: Portugal
Ano: 2012
Duração: 92´




SINOPSE
Operação Outono é um thriller político sobre a operação que levou ao assassinato de Humberto Delgado pela PIDE em Fevereiro de 1965, em Villanueva del Fresno. O filme inspira-se em factos verídicos, alguns dos quais foram recentemente descobertos por Frederico Delgado Rosa, biógrafo e neto do General Humberto Delgado, e no seu livro Humberto Delgado, biografia do general sem Medo.
A acção decorre entre Portugal, Espanha, Algéria, Marrocos, França e Itália, no período entre 1964 e 1981, desde a preparação da operação levada a cabo pela PIDE, e que tinham por nome de código: OPERAÇÃO OUTONO, até ao caso do Tribunal, já depois do 25 de Abril.


TRAILER
http://www.operacaooutono.com/pt/videos.html



CRÍTICAS
Fazer um filme sobre o assassínio de Humberto Delgado seria uma ideia tão óbvia  se o assunto fosse americano, francês ou italiano quanto exterior ao cinema português, algo avesso a fixar casos mediáticos. Mas eis que Bruno de Almeida – talvez por ter tido longa permanência em Nova Iorque – não se acomoda aos usos do burgo e avança de peito feito para um terreno eriçado de espinhos. É que, seja pela verdade dos factos (num caso onde a verdade tem sido uma substância plástica), seja pelo tom a dar à ficção (todo o cinema é um faz de conta), seja por melindres políticos (são de diversos sectores os que preferem que não se mexa no assunto), “Operação Outono” é uma tarefa de risco.
Diga-se que Brono de Almeida leva a água ao seu moinho com eficácia – ou seja, não se deve ignorar este filme.
Competente é o trabalho de argumento, articulando o evoluir da ação com desembraço, mantendo expectativas, na tradição do thriller político, que em particular em Itália tem tradições. Mas falta informação enquadradora do percurso de Delgado que torne o filme mais legível para quem tudo ignore do caso e dos seus intervenientes. Logo numa das primeiras cenas, na reunião do general em Argel com a FPLN, interroguei-me se um espectador não informado seria capaz de decifrar em pleno o que se estava a passar e quem era aquela gente... Isso complica um pouco o travejamento da ficção, que até é justa no modo como figura pessoas e eventos. Rigorosa é a escolha e o trabalho da maioria dos atores, da brutalidade de Carlos Santos no papel de Rosa Casaco à repelência de Marcello Urgeghe a Agostinho Tienza ou à fera crua que Pedro Efe dá a Casimiro Monteiro. A necessária dobragem torna oscilante a prestação de John Ventimiglia no papel de Delgado? É verdade, mas não por demérito do ator, que abona o general com a truculência corajosa e algo temerária que é um dos traços dominantes da sua personalidade.
Jorge Leitão Ramos, Expresso, 24/11/12



ENTREVISTAS A BRUNO DE ALMEIDA
Porque é que o cinema português não produz mais filmes sobre a nossa história contemporânea, como Operação Outono? É por não termos uma indústria em condições, por falta de meios, de vontade ou vocação dos realizadores?
Acho que as três coisas. Sempre houve muito poucos realizadores no cinema português interessados em temas históricos. Talvez pela sua natureza, talvez porque a produção desses filmes é cara. Há um maior interesse do nosso cinema pelo intimista, pela literatura. Isso não é bom nem mau, é o que é. Eu interesso-me pela históroa. Este é o primeiro filem histórico que faço e provavelmente não será o último. É o primeiro de uma trilogia. Há mais dois, embora não seja a altura ideal para os fazer porque falta dinheiro.
E quais são os temas?
É uma trilogia sobre a repressão, sobre o período fascista. U passa-se em África e o outro com uma mulher. Operação Outono é talvez o mais histórico, os outros dois são mais ficcionados. São três filmes sobre o Estado Novo. Um está em escrita, mas decidi não fazer já o outro para me dedicar a uma coisa diferente. Gosto muito de fazer filmes diferentes, salto de género, de temática e de língua.
O interesse pelo assassínio de Humberto Delgado é antigo ou foi acordado pela biografia escrita pelo neto dele?
Em 2008, li no Expresso uma entrevista com ele. Decidi comprar o livro e li-o todo num fim de semana. Achei logo que tinha que ser filmado, nem pensei que devia ser eu a fazê-lo. Fui fala com o Frederico Delgado Rosa e acabei por o realizar. Esta história tinha de ser contada. Há aqui a questão de uma mentira que deve ser trazida ao de cima, e pensei logo na estrutura do “antes” e do “depois” e em como poderia contar uma história entre a preparação, o encobrimento e a impunidade, e trata-la de uma forma não digo documental, mas de registo. Um pouco como os filmes do Francesco Rosi, o Salvatore Giuliano, que não são o clássico “whodunit” mas, sim, “how they did it”. Porque no caso de Delgado toda a gente sabia que era a PIDE. Não se sabia é como é que ele tinha sido morto. E havia ainda a teia de aranha da Operação Outono.
O filme não considera a tese dos comunistas poderem ter estado envolvidos no crime, nem a de Salazar ter mandado raptar Delgado mas não matá-lo. É sabido que ele ficou furioso quando lhe deram a notícia.
O envolvimento comunista não é verdade. O Álvaro Cunhal foi à Argélia em 1964 encontrar-se com o Delgado e convida-o para ser a figura central da oposição, mas o Delgado quer fazer a revolução. O PCP achava que a revolução devia vir do povo e não de um golpe militar, e dá-se um corte completo entre ambos. Há que recordar que o delgado é convidado pelo Ben Bella para ir para Argel como se fosse o presidente da República português legítimo, com honras de Estado. O que acontece, e é preciso ver as coisas no contexto da guerra fria, é que de repente surge uma diretiva da URSS segundo a qual não há apoio para a revolução como Delgado a quer fazer. E isto depois de Ben Bella lhe ter prometido apoios concretos. Ou seja, temos um contexto de guerra fria URSS versus EUA, mas também um contexto dentro do próprio movimento comunista, os maoistas versus não-maoistas. Aqueles estavam a favor de uma revolução, estes não. E o PCP estava neste último contexto. Acho que não há nenhuma participação do PCP no crime e que não havia interesse de todo em o assassinarem.
O filme questiona também o processo dos responsáveis da PIDE, no pós-25 de Abril.
Essa foi uma das coisas que me interessaram quando li o livro. Como é que havia tantas provas no processo espanhol, mas não foi aceite em Portugal e os réus não foram culpabilizados no julgamento de Santa Maria? Essa é a grande questão: os PIDES saíram impunes, e o poder também. Quem dá a ordem para matar? E como é que o julgamento de 1981 não resolve o caso? Estava tudo perfeitamente documentado no processo espanhol, e aquele tribunal militar não o aceitou, quando tinha tudo à frente. É óbvio que há uma tentativa de encobrimento, mesmo apesar de Salazar já ter morrido e de se ter dado o 25 de Abril. Acredito que tenha sido ele quem deu a ordem para matar, como a biografia defende. E acho que no livro, quer o Frederico Delgado Rosa quer o resto da família, acusam formalmente os juízes do tribunal de terem encoberto o caso.
O filme foi rodado em 16mm e deu-lhe o aspeto de um filme da época em que a ação decorre. Mas o storyboard foi todo feiro em computador. É uma combinação do artesanal, por assim dizer, com o digital, não é?
Sim. E foi deliberada. Usei muito câmara ao ombro, uma câmara que fosse pouco estética. Pensei no que poderia ser menos pretensioso e fazer um filme mais pobre, porque não tínhamos muito dinheiro. E que houvesse um lado documental, para me concentrar mais na veracidade de cada cena e no elenco, que foi uma grande aposta.
Escolheu um ator americano, o John Ventimiglia, que conhecemos de Os Sopranos, para interpretar Humberto Delgado. Não havia atores portugueses capazes de fazerem o papel? E a dobragem não ficou muito bem feita, há uma dessincronia entre a gestualidade e a vez da personagem.
Havia mais do que um, houve até um que podia ter feito o papel, mas não resultou, e não posso dizer quem é. O John resultou por um lado, e pelo outro não. Não resultou, porque houve falta de tempo de mistura de som e em dois dias eu podia ter acabado aquilo e ter funcionado. Mas não tive tempo e assumo essa responsabilidade, de facto a dobragem está muito mal feita. O lado bem é que o facto dele ser exterior ao resto do elenco funciona a favor da estranheza do próprio Humberto Delgado, porque ele de certa forma estava fora daquele ambiente. Ele próprio se considerava muito americanizado. Não digo no sentido político, mas mais do comportamento, aquela coisa toda de andar em campanha num carro descapotável, etc. Não há muitas personagens como ele na política portuguesa, sobretudo naquela época. Isso ajuda o filme, embora a dobragem pudesse ser muito melhor, é verdade. Seja como for, acho que o John deu à personagem um estilo de representação que não é muito comum nos atores portugueses., deu-lhe uma certa nobreza. E o elenco português é magnífico. São todos atores muito diferentes – pensemos no extremo de fazer contracenar o Diogo Dória com o Camané, que é um não-ator. São 15 personagens principais e nivelei-os todos para estarem no mesmo registo. Foi uma trabalheira, mas deu-me imenso gozo. Nunca tinha dirigido tantos atores portugueses de uma só vez, mas fiquei muito bem impressionado com eles.
Eurico de Barros, Diário de Notícias

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