VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA || 18 NOV || IPDJ || 21H30

VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA 
Alain Resnais
França/Alemanha, 2012, 115’, M/12

FICHA TÉCNICA
Título Original: Vous n'Avez Encore Rien Vu
Realização: Alain Resnais
Argumento: Laurent Herbiet e Alex Réval a partir das peças « Eurydice » e « Cher Antoine ou l’amour raté » de Jean Anouilh 
Fotografia : Eric Gautier
Montagem: Hervé de Luze 
Música: Mark Snow 
Interpretação: Mathieu Amalric, Pierre Arditi, Sabine Azéma,  Jean-Noël Brouté, Anne Consigny, Anny Duperey,  Hippolyte Girardot, Gérard Lartigau, Michel Piccoli
Origem: França/Alemanha
Ano: 2012
Duração: 115’

FESTIVAIS
Festival de Cannes


CRÍTICAS

“Vocês Ainda Não Viram Nada" é o penúltimo título da riquíssima fILmografia de Alain Resnais: uma viagem pelo artifício do teatro que desafia os limites da narrativa cinematográfica — um grande acontecimento!
Não poupemos as palavras: o lançamento simultâneo dos dois títulos finais de Alain Resnais — "Vocês Ainda Não Viram Nada" (2012) e "Amar, Beber e Cantar" (2014) — é um dos acontecimentos fulcrais deste ano cinematográfico. E também uma oportunidade muito especial para reavaliarmos o génio cinematográfico de Resnais a trabalhar com o... teatro!
No primeiro caso, "Vocês Ainda Não Viram Nada", o ponto de partida está em duas peças de Jean Anouilh ("Eurídice" e "Cher Antoine ou l’Amour Raté"), com um twist desconcertante: a personagem central, um encenador interpretado por Denis Podalydès, deixou um registo filmado de uma encenação sua (precisamente de "Eurídice") para ser visto e avaliado depois da sua morte por um grupo de actores que com ele colaboraram ao longo dos anos.
Desse evento pré-programado — vemos os actores sentados em frente do ecrã, um pouco como se nos víssemos num espelho que coincide com o ecrã — nasce um jogo de perversas diferenças e coincidências: Resnais filma, afinal, as contaminações entre o teatro e a vida, de acordo com uma lógica inventiva que pode pôr em causa as próprias relações entre actor e personagem. De tal modo que as personagens se chamam Sabine Azéma, Pierre Arditi, Mathieu Amalric, Lambert Wilson, Michel Piccoli...
Raras vezes se viu um cineasta ao mesmo tempo tão ágil neste equilíbrio instável verdade/artifício e tão inteligente no desafio aos limites tradicionais da ficção cinematográfica. Em última instância, "Vocês Ainda Não Viram Nada" é uma brincadeira com a teatralidade da vida, quer dizer, um exercício de puríssimo cinema.
João Lopes, rtp.pt/cinemax






A história de “Vocês Ainda Não Viram Nada” (que data de 2012) conta-se em duas penadas: após a morte do dramaturgo Antoine d’Anthac, os seus amigos (uma trupe de atores que se autointerpretam) reúnem-se na mansão do falecido para escutar a leitura do seu testamento. Nele, o autor pede-lhes que assistam in loco à projeção em vídeo de uma peça teatral da sua lavra (uma versão moderna do mito de Eurídice e Orfeu, filmada por Denis Podalydès), na qual, outrora, todos eles desempenharam um papel. Os atores são, deste modo, transformados em espectadores e forçados a presenciar a repetição dos gestos que, no passado, eles próprios realizaram. Ë um espartilho do qual cedo se libertarão, murmurando primeiro as falas das personagens e erguendo-se depois das suas cadeiras para — em paralelo com os atores do filme a que assistem — interpretarem de novo os seus antigos papéis. O que se segue é um jogo de transfusões onde tudo se converte no seu contrário (os atores em espectadores, os espectadores em personagens...) e onde não há bengala que nos ampare. Porém, este aparato narrativo servirá de base à construção de um magnífico ensaio sobre o passado (e, sobretudo, sobre as possibilidades de diferença e repetição que ele oferece ao presente). Entenda-se: “Vocês Ainda Não Viram Nada” opera, de princípio a fim, pela sobreposição de sucessivas camadas de um mito (o de Eurídice e Orfeu) que, desde o início dos tempos, os amantes têm vindo a reencenar (mutatis mutandis), como se a tragédia que então atualizam estivesse a ser vivida pela primeira vez. Pois bem: é para vincar a impossibilidade de escaparmos a uma tragédia comum que Resnais dissemina diferentes versões de um mesmo texto, adaptando livremente a “Eurydice” de Jean Anouilh para, em seguida, a submeter às variações executadas pelas duas trupes de atores do filme. E, para perceber que assim é, basta ver a cena em que Lambert Wilson (um dos três Orfeus de serviço) interrompe uma das suas falas, pedindo àqueles que vão repetindo ‘a sua’ história no ecrã que se retirem, ou seja, que o deixem (re)criar em liberdade o texto do seu presente. No final, ficamos — é claro — com a sensação de que, antes disto, ainda não tínhamos visto nada. 
Vasco Baptista Marques, Expresso, 11/10/14



Sem comentários: