SE EU FOSSE LADRÃO ...ROUBAVA | DIA 25 JULHO | MUSEU MUNICIPAL | 21H30



SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBAVA 
Paulo Rocha, Portugal, 2012, 87’, M/14

FICHA TÉCNICA
Realização: Paulo Rocha
Guião: Regina Guimarães, João Carlos Viana, Paulo Rocha 
Argumento e Diálogos: Regina Guimarães, João Carlos Viana, Paulo Rocha 
Montagem: Edgar Feldman 
Fotografia: Acácio de Almeida 
Interpretação: Isabel Ruth, Luís Miguel Cintra, Márcia Breia, Chandra Malatitch, Raquel Dias, Carla Chambel, Joana Bárcia, Miguel Moreira, Norberto Barroca 
Origem: Portugal
Ano: 2012
Duração: 87’








Partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, Paulo Rocha revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra, numa construção fluida e complexa, que é conscientemente testamental embora só indirectamente autobiográfica (ele filma-se através do pai e dos personagens da sua obra). O motor inicial do filme é a evocação da infância e juventude do pai do autor, em particular o sonho obsessivo deste, na altura partilhado por muitos, de emigrar para o Brasil, para onde partiu efectivamente em 1909 (embora a cronologia verdadeira, tal como os factos e os nomes, sejam alterados, ou por vezes deslocados, em função das rimas com os outros filmes). Mas este tema familiar cruza-se desde o início com o grande mundo da obra de Rocha, num puzzle de raccords temáticos que se dirige para dentro e para trás (a busca do centro, ou da origem…) tanto quanto para fora (a constante ampliação de sentido, a identidade de um país). Paulo Rocha fala portanto da sua própria necessidade de partir, e da interrogação de Portugal através da distância – o tempo formativo em Paris, depois a longa estada no Japão -, assim como fala da morte, mas também da doença e de um medo tornados endémicos, corrosivos de um país. Em paralelo, vão surgindo, nos excertos dos seus filmes, grandes referências da sua obra: homens como o escritor radicado no Japão Wenceslau de Moraes (1854-1929), o poeta Camilo Pessanha (1867-1926) ou o pintor Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) – todos representantes de um fulgor criativo dos inícios do século tanto quanto justamente, de uma relação problemática com o país de origem. Por outro lado Se eu fosse ladrão… é ainda um repositório de um outro diálogo estruturante da obra de Paulo Rocha – neste caso, particularmente associado a Amadeo – em que a inspiração na cultura universal se funde com um trabalho genuíno, dir-se-ia antropológico, sobre a cultura popular portuguesa, em especial centrada na região norte do país (os pescadores do Furadouro, o vale do Douro…). Cinemateca Portuguesa


São muitas as obsessões do cinema de Paulo Rocha. No seu filme testamento, mescla entre jogo de colagem de raccords do seu próprio filme e ficção que recria a juventude do seu pai, ainda encontra muitas outras, em especial uma reflexão antropológica do que era ser português. O resultado é um objeto raríssimo, um ensaio poético sobre a essência do que filmou durante décadas. Curiosamente, a escrita de Regina Guimarães contamina de forma muito pueril todo este olhar interior. Tanto que até pensamos estar dentro do cinema desta escritora e cineasta nortenha.
Metade assombração trágica, metade tese elaborada sobre a impossibilidade de um filme (desmontam-se sempre os formatos convencionais do cinema narrativo, nem que se recorra à própria voz do cineasta a dizer corta), o último Rocha é coisa séria.
Rui Pedro Tendinha, dn.pt/

TRAILER

FADO CAMANÉ | 16 JUNHO | CLAUSTROS MUSEU MUNICIPAL | 21H30



FADO CAMANÉ
Bruno de Almeida, Portugal, 2014, 72’, M/6

FICHA TÉCNICA
Realização:  Bruno de Almeida
Montagem:   Bruno de Almeida
Fotografia:   Paulo Abreu
Música:  Raul Ferrão, Alfredo Marceneiro,  José Mário Branco, Sérgio Godinho,  Frutuoso França,  Alain Oulman
Com: Camané, Carlos Bica, Carlos Manuel Proença,  José Manuel Neto,  José Mário
Origem: Portugal
Ano: 2014
Duração: 72'




CRÍTICAS
É um documentário sobre a gravação de um disco, o álbum de 2008 Sempre de Mim? Sim, vê-se e ouve-se nele um artista a falar do seu trabalho – conteúdo que hoje os “extras” de edições especiais despacham como máquina de enchidos, sendo verdade que tudo começou há vários anos atrás como material filmado para uma edição especial do disco de Camané, como making of.
Mas, e para começar, a pedagogia e a sensualidade aqui vistas em trabalho não se deixam conter no estúdio.
Depois, é um subtil registo das cumplicidades entre um cantor e os seus colaboradores: José Mário Branco, director artístico, e Manuela de Freitas, cúmplice. É uma teia de afectos e ficções, eles como figuras paternais, moldando o performer, tal como um cineasta dirige um actor, ajudando-o a encontrar a medida certa das emoções. Para que se mantenha pudica a solidão. 
Este não é um filme sobre música, por isso. É um filme que conta uma educação sentimental, a de Carlos Manuel Moutinho Paiva dos Santos. Há um efeito de mise-en-abyme, como se o filme reproduzisse em miniatura um retrato maior: José Mário Branco seria um duplo de Bruno de Almeida a dirigir o “seu” actor.
Para isso, é necessário uma figura que exorbite fronteiras, e é isso o que faz o cantor no seu canto. Bruno olha-o (veja-se também o videoclip de Sei de um Rio) como um cineasta se ocupa dos valores de uma personagem. Há aquele momento, quase eufórico, quase feliz, de encontro como uma hipotética linhagem, quando Camané, citando José Mário Branco, filia a introspecção do seu canto, de um verso, no “grito abafado” de Al Pacino quando lhe mataram a filha no Padrinho III.
Não há coincidências. Estava tudo nas imagens de solidão urbana de Sei de um Rio, uma forma de confrontar uma certa tristeza masculina com movimentos de câmara obsessivos, obsessão essa que aqui é doce e melancólica, claro, não trepidante, porque a velha Lisboa não é a Nova Iorque dos 70s de Al e de Robert deNiro e desses anti-heróis que, com toda a sua violência, se viram aflitos para nomear o que sentiam.
Foi numa sobreposição de espaços e tempos (disparidades que a referência a Pacino aqui explicita) que se deu o “encontro” entre Camané e Bruno de Almeida, no início dos anos 2000, quando o realizador regressou de Nova Iorque, onde viveu 20 anos: o punk, a new wave e o jazz experimental da cena novaiorquina reconciliavam-se com o fado. Foi também com essa possibilidade de imaginar outros cenários em background que Bruno de Almeida filmou um boxeur a contar a sua história em Bobby Cassidy, de 2009 - o boxe, mundo codificado tal como o do fado; uma história sobre o que passa de pais a filhos; Bobby tão parecido com Gene Hackman... é talvez o seu mais belo filme. Sob a forma de uma entrevista, era um documentário sobre o cinema americano dos 70s que se passava todo ele na memória do realizador e no imaginário do espectador. É o que se confirma em Fado Camané: Bruno tem a capacidade de, num formato já ocupado, “projectar” nele “outros” filmes: fantasmas do imaginário e da memória pelos quais essas imagens se deixam possuir.
Vasco Câmara, publico.pt/