VOLTA À TERRA | 3 SETEMBRO | 21H30 | Q - ESPAÇO CULTURAL


VOLTA À TERRA
João Pedro Plácido, Portugal, 2014, 78'


Dia 1 Setembro, Antigo Cemitério de Cacela velha, 22h
Dia 3 Setembro, Q - Espaço Cultural - 21h30


FICHA TÉCNICA:
Realização e Imagem: João Pedro Plácido 
Argumento: Laurence Ferreira Barbosa, João Pedro Plácido 
Montagem: Pedro Marques
Com: Daniel Xavier Pereira, António Guimarães, Daniela Barroso, Uzenses
Origem: Portugal
Ano: 2014
Duração: 78’




Festivais & Prémios

Doclisboa’14 – Prémio Liscont e Prémio Escolas/IADE para Melhor Longa-Metragem da Competição Portuguesa
Trento Film Festival - Gentiana de Prata para melhor contribuição técnica e artística
Porto post doc [Portugal, 2014]
Visions du Réel [Suiça, 2015]
ACID Cannes [França, 2015]


CRÍTICAS
Um documentário sobre uma aldeia isolada do Alto Minho. Mas que é afinal sobre um jovem agricultor que ama viver da sua arte agrícola. Ou, talvez, um documentário sobre uma parte de Portugal que ainda vive da partilha da terra e de uma utopia da existência em comunidade. O lugar é Uz, o rapaz é o Daniel. Volta à Terra é uma visão em estado de graça e com um humor aberto pelos "clichés" da vida na terra. E é também uma viagem pessoal do seu realizador, João Pedro Plácido, de regresso à terra da mãe e ao local das suas férias. Sem clichés sobre a visão da "província", Plácido coloca-nos sem filtros no meio da terra e do gado. O filme, de forma orgânica, atravessa-se como um "agrada-multidões". Quem o viu no DocLisboa percebeu o efeito mágico sobre o público. É impossível não ficar tomado por estas personagens...
Rui Pedro Tendinha, dn.pt/


Volta à Terra é um dos fenómenos mais curiosos do cinema português recente: vencedor do concurso nacional do Doclisboa 2014, apresentado no Porto/Post/Doc, tem criado à sua volta uma pequena “vaga de fundo” internacional culminando na sua aclamação em Cannes 2015 onde foi exibido numa das secções paralelas. Há alguma razão para isso: o filme inscreve-se na tendência dos “cinemas do real” que neste momento está no centro dos debates sobre o documentário, no modo como faz um retrato directo, imersivo, sem adornos, da comunidade agrícola da aldeia da Uz. Mas esse olhar intensamente curioso, grandemente centrado na personagem de Daniel, um jovem pastor de uma pureza quase inacreditável, tem algo de distanciamento alienígena, entomológico, de outsider urbano que observa uma realidade alheia. Volta à Terra recorda muito Aquele Querido Mês de Agosto de Miguel Gomes, mas sem a mesma afeição e a mesma ternura, substituídos pela sofreguidão de registar aquela realidade sem verdadeiramente a resgatar do estatuto de mera curiosidade. 
Jorge Mourinha, publico.pt/

ENTREVISTA AO REALIZADOR
Prémio para melhor longa-metragem portuguesa no DocLisboa, Volta à Terra é a homenagem do realizador de 36 anos à aldeia minhota Uz - onde os telhados são de colmo e o consumismo não bateu à porta.
Enquanto director de fotografia que nunca quis ser realizador, por que abriu a excepção com este filme?
A vontade de fazer um filme na aldeia de Uz, em Braga, vem desde os 13 anos, quando recebi a minha primeira câmara de vídeo. Os meus avós maternos, que me educaram no centro de Lisboa, viveram lá até eu nascer. Se ali passei todas as férias escolares, hoje levo a minha filha que está a descobrir a liberdade do campo. Sempre quis prestar homenagem àquelas pessoas.

Uz tem 54 habitantes. Deles escolheu seguir de perto Daniel, um jovem agricultor e pastor, e António, um emigrante regressado à terra.
Sei o nome e a idade de toda a gente, porque fiz um censo para o meu trabalho. No início queria fazer o retrato de três gerações. Havia duas crianças de nove anos que saíram durante a montagem. Queria espelhar que mesmo com diferentes idades haveria algo em comum em todos eles. Conheço o Daniel desde que nasceu: ele é feliz, consciente do que tem e não tem e do que poderia ter, sem no entanto querer mais. Esse é talvez o maior problema ocidental, querer sempre mais. É muito sábio da parte dele saber aquilo de que quer cuidar. Ao mesmo tempo, o Daniel tem um discurso idêntico ao de um senhor de 70 anos; nesse sentido António espelha o futuro dele. António voltou, comprou a maior quinta na Uz e transformou-se num escravo do trabalho.
Quis, então, homenagear...
Uma forma de ser não consumista, antes respigadora, não individualista, antes comunitária, de uma consciência profunda do meio envolvente, de uma empatia com a natureza e com os animais, no fundo mais primordial. É engraçado que a Uz só existe porque as pessoas ao mesmo tempo que se sentem seguras em relação ao que têm são extremamente conservadoras. E talvez esse seja um bom conservadorismo. O filme foi rodado no ano de máxima austeridade, 2012, e temos um lugar onde a crise não existe entre as pessoas.
É desse primordialismo que nasce uma rodagem repartida pelas quatro estações?
Para retratar a vida de um agricultor é preciso apanhar essas quatro fases, tal como a movimentação, a chegada e a partida de pessoas na aldeia. A mim interessava-me essa dinâmica ao longo do ano. No Inverno não há acontecimentos sociais além da ida à missa. Na Primavera começam os trabalhos em colectivo. No Verão aparecem os visitantes. No Inverno volta-se a uma espécie de solitude, os campos estão em pousio.
O título é uma referência a esse ciclo da vida?
Volta à Terra porque retrata um modo de vida que encontramos em qualquer lugar remoto onde as pessoas vivam da terra; porque enquanto espectadores creio que todos temos ou conhecemos alguém com origens rurais e ver o filme é como um regresso a elas; e finalmente porque é o que o lavrador faz antes de lançar as sementes.
Levou o Daniel à estreia no festival DocLisboa. Como seria se o tivesse levado a Cannes, onde o filme passou na secção paralela ACID?
Se o Daniel tivesse ido a Cannes, a primeira coisa que ele diria uma hora depois de ter chegado seria a de que se queria ir embora, tal como aconteceu em Lisboa. Lembro-me de ele perguntar, estávamos na Praça de Espanha, 'mas para onde é que vai esta gente toda de táxi de um lado para outro?'.
Em Cabeceiras de Basto não existe cinema?
Acho que o mais próximo é em Guimarães. Muitos da Uz foram pela primeira vez ao cinema aquando da estreia no Porto/Post/Doc. Fizeram uma viagem de uma hora e meia com uma carrinha organizada pela Câmara Municipal, pela Junta de Freguesia e pela produtora O Som e a Fúria, que lhes ofereceu o almoço.
Como correu a sessão?
Foi a experiência mais cinemática da minha vida ter uma sala cheia de pessoas que falam com a tela por que acham que o que está nela está ali presencialmente. Entre risos incontáveis até pessoas que saem da sala lavadas em lágrimas, a paleta de emoções não podia ter sido mais vasta.

Em que medida levou um guião pré-feito, abriu espaço ao imprevisto e a partir deste dirigiu uma narrativa?
O guião é uma base para o que explorar e que olhar tomar. Tudo o que filmei estava à espera que acontecesse como aconteceu, tirando aquelas frases, aquelas falas que, não tendo possibilidade de as escrever, se revelaram boas surpresas e possíveis fios condutores. Foi o que aconteceu ao notar que o Daniel falava constantemente na falta de uma rapariga. Não tendo muitas possibilidades de conflito, centrei-me nesse aspecto e limitei-me a empurrar essa realidade para a frente da câmara.
Revê-se em 'Aquele Querido Mês de Agosto', de Miguel Gomes?
O filme do Miguel surge mais como uma confirmação de que era possível fazer em terreno português o que o Abbas Kiarostami me tinha mostrado aos meus 16 anos, com A Vida Continua, pegando em pessoas que não actores e pondo-as a viver o seu próprio papel. As primeiras obras dele, até O Sabor da Cereja, fizeram-me dizer: 'É este tipo de cinema que quero fazer'. Não quis repetir as fórmulas de Les Paysans, de Raymond Depardon, com planos fixos de mais de dez minutos, retrato do que é ser um lavrador onde a mecânica está na palavra. Nem de As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino, que também é muito lento e em que a câmara está muito distante das pessoas. Interessava-me um filme em que o principal dispositivo fossem as pessoas, a força do trabalho, sem uma postura de estudo etnográfico ou ambiciosa intelectualmente. 
sol.pt/

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