JOÃO BÉNARD DA COSTA: OUTROS AMARÃO AS COISAS QUE EU AMEI | 5 ABR | IPDJ | 21H30


JOÃO BÉNARD DA COSTA: OUTROS AMARÃO AS COISAS QUE EU AMEI
Manuel Mozos
Portugal, 2015, 75’, M/12

FICHA TÉCNICA
Realização: Manuel Mozos
Edição de som: Nuno Henrique
Pesquisa e seleção de textos: Luís Nunes e Manuel Mozos
Fotografia: Inês Duarte
Voz: João Pedro Bénard
Origem: Portugal
Ano: 2014
Duração: 75'



FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival Doclisboa - Sessão Especial
Festival de Viena - Selecção Oficial
Festival de Roterdão - Selecção Oficial




NOTA DO REALIZADOR
Este é um filme-baú onde habitam algumas das maravilhas pessoais e universais que João Bénard da Costa amou. Desde os clássicos aos santos da casa, as árias do catálogo – de Nick Ray a Manoel de Oliveira, de mãos dadas à Fotografia e a Lubitsch, ao encontro de Raoul Ruiz, Verdi, Dreyer, Sophia, a Pintura e a Arrábida. A família…
Todos estes e muitos mais o moveram e comoveram e com a franqueza própria do idealista, dedicou a sua vida à transmissão do que outros, mortos e vivos, criaram de belo.
O Cinema gosta de fantasmas e o João Bénard também. Por isso aqui ser fala do que foram os seus tempos passado, presente e futuro – do que ele gostava de mundano, sagrado e profano.
A tarefa foi a de abrir o baú e vós ouvintes, videntes e amantes das coisas várias e do mundo uno, estão convidados a fazer o próprio filme – pois mais do que biografia, mais do que homenagem, este é o manifesto vivido de que as obras pertencem a quem as amou.
Não coube tudo neste filme, mas talvez o que coube ganhe mais algum tempo de vida.





CRITICA
Mozos entrega-se a João Bénard, às suas palavras, à sua visão da vida e do cinema.
Manuel Mozos é, possivelmente, o cineasta português que melhor emprega a narração off enquanto maneira de criar, na relação com a imagem, um jogo de presença/ausência tremendamente sugestivo, quase uma invocação constante.
Assim era Ruínas, o seu filme sobre um Portugal delapidado e abandonado; e assim é esta sua evocação de João Bénard da Costa, conduzida pelas palavras dele, por vezes mesmo (graças à memória arquivística) ditas por ele, como se o convertesse, por sua vez, num daqueles “protagonistas ausentes” de que Bénard tanto gostava (e tanto gostava que esse – “protagonistas ausentes” – foi o título e o mote de um célebre ciclo que organizou na Cinemateca). Outros Amarão as Coisas que eu Amei é um filme sobre João Bénard da Costa, encontrado nesse cruzamento entre a sua ausência física e a sua presença espiritual; mas é ainda mais, um filme sobre as palavras de João Bénard da Costa, autor de todo o texto que no filme se ouve ser lido. Subjectivo? Não, pelo contrário, tremendamente objectivo: é o feito maior de Mozos, centrar o filme nessa matéria, sólida e palpável (visto que está impressa e tudo), que são as palavras de João Bénard da Costa, evitando as armadilhas da memória e da evocação. É por isso que a ausência se pode transformar em presença, num pequeno milagre cinematográfico que não deixa de ser, a seu modo, uma rima para aquele grande milagre cinematográfico de que João Bénard tanto gostava, o filme de Carl Dreyer que em português se chamou, justamente, A Palavra.
Será escusado dizer que não se trata de um filme que empregue aquele modelo, corrente e didáctico, do documentário informativo e explicativo. Não há depoimentos, não há enquadramentos externos a essa matéria que está no coração do filme. Há, isso sim, um espantoso trabalho de montagem – montagem de documentos fotográficos, de imagens que se fazem “documento” (os planos no que se presume ter sido o escritório caseiro de Bénard), de excertos de filmes (doJohnny Guitar aos filmes, por exemplo de Manoel de Oliveira, em que Bénard foi actor, e que aparecem quase sempre filmados na moviola, como que a sublinhar também uma questão de “materialidade”), de lugares caros à memória de vida de João Bénard (a Arrábida, onde o filme começa e onde depois acaba, entre outros). Mas tudo isso é, dir-se-ia, precedido de outro espantoso trabalho de montagem: a selecção e “colagem” de fragmentos dos muitos textos que João Bénard da Costa deixou gravados (as suas
intervenções na televisão) ou escritos (nas crónicas para o jornal ou nos artigos que redigiu para a Cinemateca). É essa selecção textual, e as suas pertinência e acuidade, que permitem ver Outros Amarão as Coisas que eu Amei como um percurso, conduzido na primeira pessoa, por uma vida e por um pensamento. E tudo se engalfinha, claro, porque em Bénard tudo puxava por tudo e tudo se transformava na mesma face – e o amor pelos filmes, pela pintura, pelas palavras, pelas pessoas, não era diferente da memória que se tinha desse amor por todas essas coisas (que “outros amarão”). Na primeira frase do filme, dita sobre um belo plano geral do mar da Arrábida, ouve-se dizer que “toda a vida é feita disto – o mundo, a morte, o amor, o desejo” e que “todo este filme é feito disto”. Bénard não se referia ao filme de Mozos, o fragmento vem duma série de programas que, nos anos 2000, fez para a RTP. Mas ao colocar a frase no princípio do seu filme, Mozos sabe bem o que faz: entregar-se a João Bénard, às suas palavras, à sua visão da vida e do cinema. E é tudo isso que passa, admiravelmente, neste belíssimo filme.
Luís Miguel Oliveira, Público




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