PORTUGAL - UM DIA DE CADA VEZ | 21 JUNHO | 21H30 | IPDJ (ESPLANADA)


PORTUGAL - UM DIA DE CADA VEZ
João Canijo e Anabela Moreira
Portugal, 2015, 155’, M/12



FICHA TÉCNICA
Realização: João Canijo, Anabela Moreira
Montagem: João Braz
Imagem: Anabela Moreira
Edição de som: Hugo Leitão
com o apoio financeiro
Origem: Portugal
Ano: 2015
Duração: 155’





TRAILER



NOTA DE INTENÇÕES 
Tudo se passa numa terra interior de onde as pessoas fugiram e onde os restos do sonho de desenvolvimento se tornaram sinais do absurdo. «É a vida e a vida é triste», dizem com resignação os sobreviventes do Portugal interior. Sobrevivem na condição de viver um dia de cada vez, resignados à fatalidade do destino e a recordar um passado que podia ter sido melhor. A desilusão com o destino é enganada com a culpa da traição dos governantes e com a paixão pelos enredos da televisão. No vazio das horas iguais a tantas outras a existência passa e a vida gasta-se a tentar escapar ao desespero. É um filme de retratos de um país triste que fala de uma particular forma de esperança, a que sonha só com a felicidade de se cumprir a vida. Vivemos um dia de cada vez.
João Canijo e Anabela Moreira 




CRÍTICA
O retrato do Portugal em crise que vive por detrás dos montes, num documentário ao estilo de João Canijo, cheio de histórias para contar.
Os efeitos devastadores da grave crise económica são um tema urgente no cinema português, numa compreensível vinculação do artista ao seu tempo, à sua circunstância e ao mundo em redor. Tal transparece de forma gritante n'As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes; tal como neste Portugal - Um Dia de Cada Vez, de João Canijo e Anabela Moreira, a primeira parte de um longo projeto que pretende fazer uma espécie de radiografia de um país em crise. Os registos são distintos e, de alguma forma, complementares. Miguel Gomes opta por um realismo onírico, passe-se a contradição, em que a fantasia e a realidade convivem lado a lado, com cruzamentos ocasionais, e muitas vezes ao serviço de um experimentalismo narrativo e cinematográfico. 
Canijo e Moreira optam por um estilo mais clássico, num documentário mais cru, objetivo e eficaz. Portugal - Um dia de Cada Vez confronta-nos com pedaços de realidade não filtrada (na aparência) de famílias de aldeias e vilas do interior transmontano.
Os realizadores mostram-nos que esse documentarismo de proximidade manifesta-se numa forma íntima de contar histórias. E, como acontece sempre com João Canijo, o registo é profundamente cinematográfico e artístico, afastando-se radicalmente, por exemplo, da assinalável experiência televisiva da série de documentários Portugal, Um Retrato Social.
Tal acontece por uma questão de postura, em que se dá a primazia ao cinema e sua subjetividade inerente, e não a uma responsabilidade científica que obriga a escolher casos exemplares sociologicamente pertinentes. O filme de Canijo e Moreira obedece antes a preceitos artísticos e estilísticos e não científicos.
Logo à partida há uma opção por um estilo de documentário não participante, em que as personagens comportam-se como personagens de ficção, abstraindo-se da câmara, dando-nos a sensação de que estar perante a sua vida sem artificialismos. Tão pouco há uma contextualização narrativa em voz off ou através de separadores. Tal como havia feito através da montagem de imagens de arquivo em Fantasia Lusitana, aqui as imagens falam por si, sem recursos a qualquer subterfúgio para além da edição.
Por outro lado, dentro da aparente abrangência de retratos, que vai desde uma escola de província onde se aprende francês, à romena que trabalha na vinha em redor de Vila Nova de Foz Côa, permanece o fascínio pelo universo feminino, que é uma imagem de marca de João Canijo ao longo de quase toda a sua filmografia. Também este Portugal - Um Dia de Cada Vez é um filme de mulheres, em que os homens aparecem como meros figurantes das suas histórias. Certamente há uma inquietação sobre a profundidade do universo feminino, mas talvez também haja neste caso a intenção de fazer sobressair a ideia de mátria, tão forte também no Portugal contemporâneo.
Imiscuindo-se na crise, em casos pessoais e talvez exemplares, num Portugal esquecido pelos grandes centros urbanos, Canijo e Moreira revelam que a crise chegou a este Portugal remoto décadas antes da troika, num sucessivo desinvestimento e consequente desertificação. Talvez este seja a mais importante ilação sociológica a tirar do filme.
Curioso é igualmente encontrar a linha de coerência na cinematografia de João Canijo (e de Anabela Moreira enquanto atriz de muitos dos seus filmes). Este Trás-os-Montes que agora documenta tem semelhanças com aquele que ficcionou em Noite Escura (2004) e Mal Nascida (2007). Por outro lado, há um caminho para o documentário que se inicia, pelo menos, em Sangue do Meu Sangue (2011). Ali havia um exigente trabalho de ator e de inserção no meio, na mais pura ficção do real. No seu filme seguinte, É O Amor (2013), realizado no âmbito do programa Estaleiro, de Vila do Conde, havia uma original fusão entre documentário e ficção, em que a atriz Anabela Moreira se imiscuiu num meio real das da comunidade piscatória de Caxinas, fabricando situações cinematográficas. E agora chega ao documentário, que não é encarado como um mero retrato da realidade, mas um meio mais direto de encontrar personagens e descobrir as suas histórias.
Manuel Halpern, visao.sapo

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