O VENDEDOR | 14 FEV | 21H30 | IPDJ


O VENDEDOR
 Asgar Farhadi
 Irão/França, 2016, 125', M/12

FICHA TÉCNICA
Título Original: Forushande
Realização e Argumento: Asgar Farhadi
Montagem: Hayedeh Safiyari
Fotografia: Hossein Jafarian
Música: Sattar Oraki
Interpretação: Shahab Hosseini, Taraneh Alidoosti, Babak Karimi
Origem: Irão/França
Ano: 2016
Duração: 125'

FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cannes - Prémio Melhor Argumento e Prémio Melhor Actor
Globos de Ouro - Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro
Oscars 2017 – Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro

 TRAILER 



COMENTÁRIOS DO REALIZADOR
Teria muita dificuldade em definir ou resumir O CLIENTE, bem como em expressar até que ponto esta história me inspirou pessoalmente. Tudo depende das preocupações e do olhar do espectador. Quem o vir como um filme social, reterá os elementos relativos a esse aspecto; um outro espectador poderá ater-se apenas a um ponto de vista moral ou ainda a um outro ângulo. Aquilo que posso dizer é que, mais uma vez, o filme trata da complexidade das relações humanas, sobretudo no seio de uma família ou de um casal. (...)
Eu li "A Morte de um Caixeiro-Viajante", de Arthur Miller, quando era estudante. A peça marcou-me muito, sem dúvida pelo seu olhar sobre as relações humanas. É uma peça muito rica que oferece variados níveis de leitura. A sua dimensão mais importante é a da crítica social manifesta num episódio da história americana em que a transformação repentina da cidade provocou a ruína de determinada classe social. Um conjunto de gente que não conseguiu adaptar-se a essa rápida modernização e foi por ela esmagada. Nessa medida, a peça ressoa fortemente com a situação actual do meu país. As coisas evoluem muito depressa e quem não consegue adaptar-se a essa corrida desenfreada é sacrificado. A crítica social que está no cerne da peça mantém-se válida no Irão de hoje.
Uma outra dimensão da obra é a da complexidade das relações humanas no seio da família, nomeadamente no casal formado pelo caixeiro-viajante e Linda. A peça tem um grande aporte afectivo que, enquanto bastante comovedor, leva o espectador a reflectir sobre questões muito subtis. Quando decidi que os personagens principais do filme fariam parte de uma companhia de teatro e estariam a representar uma peça, a obra de Miller pareceu-me muito interessante, por permitir estabelecer um paralelo com a vida pessoal do casal em torno do qual se constrói o filme.
Em cena, Emad e Rana fazem o papel do vendedor e sua esposa. Na sua vida real, sem que se dêem conta, eles são confrontados com um vendedor e sua família e têm de decidir sobre a sorte desse homem.


 


CRÍTICA

Asghar Farhadi continua a questionar as traves mestras da masculinidade iraniana.
Três anos depois de “O Passado”, o iraniano Asghar Farhadi volta ao tema central desse filme e que, de alguma maneira, estava também em “Uma Separação”, a obra que o fez ganhar o Óscar do Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2012: as relações no interior da conjugalidade e, nestas, a situação masculina muito em particular. E continua a fazê-lo no seio da sua própria classe social, uma classe média que se vê a si própria como culturalmente liberta de preconceitos, mas continua a debater-se com perplexidades ancestrais.
Emad/Shahab Hosseini é professor de literatura numa escola secundária de dia e ator à noite. É casado com Rana/ Taraneh Alidoosti atriz também. No momento em que o filme começa — com a súbita e noturna evacuação do prédio onde moram que está em vias de colapsar — estão nos ensaios de uma peça prestes a chegar à cena, não sem alguns problemas com a censura: “Morte de um Caixeiro-Viajante”, de Arthur Miller. No novo apartamento para que, entretanto, se mudam, Rana é surpreendida por um desconhecido num momento em que tomava duche. E, apesar de nada de muito grave ter daí decorrido — ou, pelo menos, nós assim pensamos, ou pelo menos, ela assim o relata, que ao marido não faltarão dúvidas nunca verbalizadas — Rana ganha pavor em ficar sozinha em casa e nós começamos a verificar que Emad toma as ofensas sobre si. Os esforços que desencadeia para descobrir o atacante são menos para reparar os desgostos de Rana e mais para vingar o ultraje que ele mesmo experimenta. Na peça que faz à noite, Emad interpreta o humilhado Willy Loman do texto de Miller, o homem esmagado pelas regras sociais e pelas ilusões do sonho americano. Mas, na vida, ele está pronto a colocar-se do lado dos humilhadores, mesmo quando constata que o que se passou na sua casa foi apenas o resultado de um infelicíssimo mal-entendido. No palco, Emad pode ser moderno, liberal, de esquerda, o que quiserem; na vida, ele não consegue — nem quer — fugir ao preconceito arreigado no caldo cultural onde se formou. E isso vai fazer com que aquele casal que parecia tão amorosamente unido se estilhace. Mas sem fragor. Tal como o edifício em que moravam que não chega a desmoronar-se, apenas se torna inabitável, assim a relação entre os dois vai ficar pungentemente inóspita.
Todavia, o lado mais secreto de “O Vendedor” é a subtil identificação entre o homem que penetrou no apartamento de Emad e Rana e o personagem central de “Morte de um Caixeiro-Viajante”. O que o título do filme designa é aquele tipo vulgar, com uma profissão medíocre, com uma amante promíscua, envergonhado da vida, que Emad descobre e que está disposto a destruir animicamente — nesse gesto revelando uma face que Rana verifica intolerável. É uma teia de delitos e de conflitos onde se escalpelizam e problematizam alguns fundamentos éticos da existência e das relações humanas — sem que Asghar Farhadi queira decidir como desatar os nós. Do Irão, onde as verdades se afixam férreas, um cineasta move-se entre todas as dúvidas.
Jorge Leitão Ramos, Expresso


 

Sem comentários: